Nicomedes Santa Cruz (Peru)
Hoje, fui filmar uns depoimentos no acampamento Elizabeth Teixeira do MST, na região de Campinas-Limeira, prum documentário que estou fazendo. Entrevistei o Ari, liderança da região. Já o conhecia de outras “atividades” do MST, mas nunca havia realmente conversado com ele. Putz! Que pessoa fantástica… tão simples e humilde e, ao mesmo tempo, figura inteligentíssima e muito sensível… sua inteligência não é daquelas típicas que estou acostumado a encontrar na universidade, mas daquela inteligência de minério temperado na terra, de lâmina que se vai afiando, lentamente, com as pedras do caminho. Fala com uma eloquência tranquila, sempre antenado ao contexto, procurando sacar os porquês da filmagem, o público, a inserção do filme, pra assim ajustar a linguagem, o discurso… Acabada as entrevistas, começamos um bate-papo informal… diz ele ter cursado até a 8a série, o que me espantou, pois me falava de suas leituras sobre os clássicos da filosofia política (Maquiavel, Hobbes, Marx…). Logo vc percebe que não foi da escola que ele tirou sua fome de entender o mundo, mas das contradições do seu caminhar coletivo. Na ação-conjunta de transformar o mundo é que foi sentindo a necessidade concreta de saber mais. É quando conhecimento deixa de ser acúmulo de informação, eruditismo, e torna-se o ar necessário da prática.
Foi com o Ari, hoje, que tive uma das conversas mais interessantes e agradáveis da minha vida sobre poesia… no meio da conversa, começou a declamar poemas de Castro Alves (um trecho do Navio Negreiro, em especial, que falava de como a luta contra mostros embrutece, me emocionou, pois há pouco conversávamos com uma acampada que nos dizia como o povo do acampamento andava mais isolado, tava perdendo a unidade do início). Pra minha mais apaixonante surpresa declamou, também, poemas do Augusto dos Anjos, um poeta difícil e não tão lembrado e pouco compreendido pelo qual sou fascinado! De quebra, conversando sobre a poesia de luta, me apresentou alguns poetas que desconhecia, dentre eles Nicomedes Santa Cruz, poeta peruano. Ah, que delícia! Seguem, abaixo, tra(b)duções de alguns poemas do peruano e uma entrevista que Nicomedes, que também foi jornalista, fez a Victor Jara.
Fiquei de levar, depois, pro Ari uma coletânea das tra(b)duções que tenho feito de poetas lutadores da América Latina… conversando com ele, ficou mais concreta a relevância de se ter um livro assim, pra militância, que apresente os poetas revolucionários de nossa Pátria Grande, o que me deu mais ânimo para acelerar minhas tra(b)duções!
Nicomedes Santa Cruz (Peru)
Nicomedes Santa Cruz Gamarra (1925-1992) foi poeta, cantor, pesquisador da cultura popular e jornalista, além de apresentador de rádio e televisão. É o representante máximo da negritude no Peru por ser o primeiro poeta a tratar do tema do negro ressaltando a importâncio do afro-peruano no desenvolvimento histórico do país. Interessante notar que ele cumpre um papel no Peru muito similar ao que cumpriu o artista negro Solano Trindade no Brasil: ambos trabalhando com a poesia negra, valorizando as raízes africanas, desenvolvendo trabalhos de teatro-dança resgatando e divulgando a cultura negra.
Nicomedes entrevista Victor Jara
A transcrição dessa entrevista pode ser encontrada em espanhol aqui! Dois meses depois dessa entrevista, Victor seria assassinado no golpe que derrubou o governo de Allende no Chile. Destaque para o trecho em que Victor e Nicomedes falam da necessidade de uma música que supere a canção de mobilização (panfletária), que permita que o trabalhador descubra a si mesmo em sua relação com seu companheiros de classe. O vídeo mostra um conjunto de fotos de Nicomedes e Jara bem legal.
Ritmos Negros do Peru (Nicomedes Santa Cruz)
Ritmos da escravatura
Contra amarguras e penas.
Ao compasso das correntes
Ritmos negros do Peru.
Da África chegou minha avó
vestida com “caracoles”/pixains**,
a trouxeram os espanhóis
em uma caravela.
A marcaram com candeia,
a carimba** foi sua cruz.
E na América do Sul
ao golpe de suas dores
deram os negros tambores
ritmos da escravatura
Por uma moeda só
a revenderam em Lima
e na Fazenda “La Molina”
serviu à gente espanhola.
Com outros negros de Angola
ganharam por sua labuta
pernilongos para suas veias
para dormir duro solo
e nadinha de consolo
contra amarguras e penas…
Na plantação de cana
nasceu o triste refúgio,
na venda de rum
o negro cantou a “zaña”**.
O facão e a foice
curtiram suas mãos morenas;
e os índios com suas quenas
e o negro com tamborete
cantaram sua triste sorte
ao compasso das correntes.
Morreram os negros velhos
mas entre a cana seca
se escuta seu “zambacueca”**
e o “panalivio”** ao longe.
E se escutam os festejos
que cantaram em sua juventude.
De Cañete a Tombuctú,
De Chancay a Mozambique
levam seus claros repiques
ritmos negros do Peru.
** “caracoles”: pelo que pesquisei poderia ser tanto o babado de alguma vestimenta como o pelo encaracolado, que traduzi como pixaim.
** “carimba”: os negros eram marcados com um ferro chamado de “carimba”; “carimba!” também é uma interjeição de desgosto.
**”zaña”: O canto dos negros escravos do povoado de Zaña da província de Chiclayo cantavam nos galpões em que viviam depois da colheita agrícola para descansar e dormir. Seu canto foi proibido por senhores patrões por sua mensagem anticlerical e contestatória da escravidão, no século XVII.
**”zambacueca”: estilo musical e bailado de pares soltos, em que se representa o assédio amoroso de uma mulher por parte do homem. Faz alusão ao assédio similar entre galos e galinhas. Deriva da mestiçagem da música e dança trazidos por ciganos, escravos e negros de angola entre os séculos 16 e 17.
**”panlivio”: é o nome que se dá a uma canção-lamento criada pelos escravos da Costa peruana no século XVII para expressar os maus-tratos que sofriam.
Escute:
Amércia Latina (Nicomedes Santa Cruz)
Meu Camarada
Meu sócio**
Meu irmão
Parceiro
Camará**
Companheiro
Minhas pernas
Meu filhinho
Campesino…
Aqui estão meus vizinhos.
Aqui estão meus irmãos.
As mesmas caras latinoamericanas
de qualquer ponto da América Latina:
Índiobranquinegros
Branquinegríndios
e Negríndiobrancos
Louros beiçudos
Índios barbudos
e negros alisados
Todos se queixam:
-Ah, se em meu país
não houvesse tanta política…!
-Ah, se em meu país
não houvesse gente paleolítica…!
-Ah, se em meu país
não houvesse militarismo,
nem oligarquía
nem chauvinismo
nem burocracia
nem hipocrisia
nem clerezia
nem antropofagia…
-Ah, se em meu país…!
Alguém pergunta de onde sou
(Eu não respondo o seguinte):
Nasci perto de Cuzco
admiro a Puebla
me inspira o rum das Antilhas
canto com voz argentina
creio em Santa Rosa de Lima
e nos Orixás da Bahia
Eu não colori meu Continente
nem pintei de verde o Brasil
amarelo Peru
vermelha Bolívia
Eu não tracei linhas territoriais
separando irmão de irmão.
Pouso a testa sobre Río Grande
me afirmo pétreo sobre o Cabo de Hornos
afundo meu braço esquerdo no Pacífico
e submerjo meu direito no Atlântico.
Pelas costas do oriente e ocidente
duzentas milhas entro à cada Oceano
submerjo mão e mão
e assim me aferro à nosso Continente
em um abraço Latinoamericano.
**”socio” talvez pudesse ser melhor traduzido como “parceiro”, mas como ele utiliza “aparcerado” logo abaixo, optei por um outro sentido possível de “socio” que é “sócio” mesmo…
**a palavra original é “camarado” pra qual não existe tradução… é “camarada” aplicada ao homem…
A noite
Nessas doze horas em que somos as costas do mundo
naquele diário eclipse
eclipse de povos
eclipse de montes e desertos/”páramos”
eclipse de humanos
eclipse de mar
o negro tinge à Terra metade da cara
por mais que se ponha luz artificial
negrura de sombra
sombra de negrura
que ninguém assombra
e a tudo perdura
escura a Espanha
e claro o Japão
escura Caracas
e claro Cantão
e sempre girando à Leste
aqui enegrece
lá está celeste
essa sombra imensa
essa sombra eterna
que teve começo no começo do começo
rotativo eclipse
eclipse total
pede aos humanos um solene rito
que é horizontal
e cada doze horas que chega me alegro
porque meio mundo está negro
e nele não cabe distinção racial.
O PROTESTO 1955 / 2O15. 60 ANOS do Poeta CARLOS DE ASSUMPÇÃO o mestre que completa 88 anos de muitos parabéns num sábado de muita luz 23 de maio glorioso que realça valoriza nossa luta a historia sempre viva do poeta guerreiro Cassump de Ébano como disse o herói poeta angolano Agostinho Neto.
CARLOS DE ASSUMPÇÃO seu nome esta realçado entre os maiores poetas do mundo e assim no Brasil nas principais obras da cultura afro brasileiro”A Mão Afro-Brasileira” Emanoel Araújo. “Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana” Nei Lopes. “Enciclopédia Quem é quem na negritude brasileira” Eduardo de Oliveira.Enciclopédia“África Mãe dos Gênios Negros Afros Brasileiros” Jorge J. Oliveira entre outras obras. Os Dizeres dos grandes mestres sobre Carlos Assumpção diz Abdias do Nascimento é o meu poeta, Solano Trindade Protesto é minha alma, Geraldo Filme me arrepia, Clovis Moura a lira de nossas revoltas, Barbosa sinto cada letra, Prof. Eduardo Oliveira minha inspiração, Luís Carlos da Vilaa alma da Kizomba,Tião Carreiro uma alegria triste, Milton Santos Diz tudo, Grande Otelo é o Poema Hino Nacional da luta da Consciência e Resistencia Negra Afro-brasileira.
CARLOS DE ASSUMPÇÃO – O maior poeta da militância negra da historia do Brasil autor do poema o PROTESTO Hino Nacional da luta da Consciência eResistencia Negra Afro-brasileira. O poetaAssumpção é o maior ícone das lideranças e dos movimentos negrose afros brasileiras e uma das maiores referencias do mundo dos ativistas e humanistasem celebração completa 88 anos de vida. CARLOS DE ASSUMPÇÃO nasceu 23 de maio de 1927 em Tiete – SP. Por graças e as benções de Olorum 88 anos de vida com sua família, amigos e nós da ORGANIZAÇÃO NEGRA NACIONAL QUILOMBO O. N. N. Q. FUNDADO 20/11/1970 (E diversas entidades e admiradores parabenizam o aniversario de 88 anos do mestre poeta negro Carlos Assumpção) temos a honra orgulho e satisfação de ligar para a histórica pessoa desejando felicidades, saúde e agradecer a Carlos de Assunpção pela sua obra gigante, em especial o poema escrito em 1955 o Protesto que para muitos é o maior e o mais significante poema dos afros brasileiros o Hino Nacional dos negros. “O Protesto” é o poema mais emblemático dos Afros Brasileiros e uns das América Negra, a escravidão em sua dor e as cicatrizes contemporâneas da inconsciência pragmática da alta sociedade permanente perversa no Poema “O Protesto” foi lançado 1958, na alegria do Brasil campeão de futebol, mas havia impropriedades e povo brasileiro era mal condicionado e hoje na Copa Mundial de Futebol no Brasil 2014 o poema “O Protesto” de Carlos de Assunpção está mais vivo com o povo na revolução para (Queda da Bas. Brasil.tilha) as manifestações reivindicatórias por justiça social econômica do povo brasileiro que desperta na reflexão do vivo protesto.
O mestre Milton Santos dizia os versos do Protesto e o discurso de Martin Luther King, Jr. em Washington, D.C., a capital dos Estados Unidos da América, em 28 de Agosto de 1963, após a Marcha para Washington. «I have a Dream» (Eu tenho um sonho) foram os dois maiores clamores pela liberdade, direitos, paz e justiça dos afros americanos. São centenas de jornalistas, críticos e intelectuais do Brasil e de todo mundo que elogia a (O Protesto) (Manifestação que é negra essência poderosa na transformação dos ideais do povo) obra enaltece com eloquência o divisor de águas inquestionável do racismo e cordialidade vigente do Brasil Mas a ditadura e o monopólio da mídia e manipulação das elites que dominam o Brasil censuram o poema Protesto de Carlos de Assunpção que é nosso protesto histórico e renasce e manifesta e congregam os negros e todos os oprimidos, injustiçados desta nação que faz a Copa do Mundo gastando bilhões para uma ilusão de um mês que poderá ser triste ou alegre para o povo brasileiro este mesmo que às vezes não tem ou economiza centavos para as necessidades básicas e até para sua sobrevivência e dos seus. No Brasil
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Poema. Protesto de Carlos de Assunpção
Mesmo que voltem as costas
Às minhas palavras de fogo
Não pararei de gritar
Não pararei
Não pararei de gritar
Senhores
Eu fui enviado ao mundo
Para protestar
Mentiras ouropéis nada
Nada me fará calar
Senhores
Atrás do muro da noite
Sem que ninguém o perceba
Muitos dos meus ancestrais
Já mortos há muito tempo
Reúnem-se em minha casa
E nos pomos a conversar
Sobre coisas amargas
Sobre grilhões e correntes
Que no passado eram visíveis
Sobre grilhões e correntes
Que no presente são invisíveis
Invisíveis mas existentes
Nos braços no pensamento
Nos passos nos sonhos na vida
De cada um dos que vivem
Juntos comigo enjeitados da Pátria
Senhores
O sangue dos meus avós
Que corre nas minhas veias
São gritos de rebeldia
Um dia talvez alguém perguntará
Comovido ante meu sofrimento
Quem é que esta gritando
Quem é que lamenta assim
Quem é
E eu responderei
Sou eu irmão
Irmão tu me desconheces
Sou eu aquele que se tornara
Vitima dos homens
Sou eu aquele que sendo homem
Foi vendido pelos homens
Em leilões em praça pública
Que foi vendido ou trocado
Como instrumento qualquer
Sou eu aquele que plantara
Os canaviais e cafezais
E os regou com suor e sangue
Aquele que sustentou
Sobre os ombros negros e fortes
O progresso do País
O que sofrera mil torturas
O que chorara inutilmente
O que dera tudo o que tinha
E hoje em dia não tem nada
Mas hoje grito não é
Pelo que já se passou
Que se passou é passado
Meu coração já perdoou
Hoje grito meu irmão
É porque depois de tudo
A justiça não chegou
Sou eu quem grita sou eu
O enganado no passado
Preterido no presente
Sou eu quem grita sou eu
Sou eu meu irmão aquele
Que viveu na prisão
Que trabalhou na prisão
Que sofreu na prisão
Para que fosse construído
O alicerce da nação
O alicerce da nação
Tem as pedras dos meus braços
Tem a cal das minhas lágrima
Por isso a nação é triste
É muito grande mas triste
É entre tanta gente triste
Irmão sou eu o mais triste
A minha história é contada
Com tintas de amargura
Um dia sob ovações e rosas de alegria
Jogaram-me de repente
Da prisão em que me achava
Para uma prisão mais ampla
Foi um cavalo de Tróia
A liberdade que me deram
Havia serpentes futuras
Sob o manto do entusiasmo
Um dia jogaram-me de repente
Como bagaços de cana
Como palhas de café
Como coisa imprestável
Que não servia mais pra nada
Um dia jogaram-me de repente
Nas sarjetas da rua do desamparo
Sob ovações e rosas de alegria
Sempre sonhara com a liberdade
Mas a liberdade que me deram
Foi mais ilusão que liberdade
Irmão sou eu quem grita
Eu tenho fortes razões
Irmão sou eu quem grita
Tenho mais necessidade
De gritar que de respirar
Mas irmão fica sabendo
Piedade não é o que eu quero
Piedade não me interessa
Os fracos pedem piedade
Eu quero coisa melhor
Eu não quero mais viver
No porão da sociedade
Não quero ser marginal
Quero entrar em toda parte
Quero ser bem recebido
Basta de humilhações
Minh’alma já está cansada
Eu quero o sol que é de todos
Ou alcanço tudo o que eu quero
Ou gritarei a noite inteira
Como gritam os vulcões
Como gritam os vendavais
Como grita o mar
E nem a morte terá força
Para me fazer calar.
Organização Negra Nacional Quilombo ONNQ 20/11/1970 –
quilombonnq@bol.com.br
Jorge Silva said this on 02/07/2015 às 10:39 am |
Pedi a Santo Nicomedes que nos dê proteção e saúde. Amém… Nicomedes Cruz da Silva – baiana de Salvador Bahia Brasil
Anônimo said this on 15/02/2016 às 11:31 pm |
Acabei de fazer um posto de Victoria Santa Cruz, irmã de Nicomedes.
jorgesapia said this on 07/06/2020 às 3:59 pm |