ESPANAR

ESPANAR

o parafuso junta
uma chapa
na outra
prende bem as coisas

e há o ser humano

ele mal tinha um olho
tremia o corpo todo
bem pralém
do seu controle

entrou no ônibus
não sei como

(seu cheiro entrando antes)

grunhiu
algo que não se entendia
e chacoalhava
– na mão que menos tremia –
um saco plástico
com um bonito laço
cheio de notas
sujas
de dinheiro.

o parafuso
fixa bem coisas
não as deixa
nem um pouco
soltas

e há o ser humano

ele teve dificuldade
pra se sentar
não conseguia controlar
tantos movimentos
involuntários
urrava de tempos em tempos
– consigo? conosco? –
parecia querer ir
pra barão geraldo
– onde eu moro –
tão magro
mal tinha um olho

o parafuso
impede que
as coisas se movam

e há o ser humano

o meu peito me dizia
que ele não tinha
bem condições
de se locomover
de comer
defecar
de brindar o ano novo
mas vem
de algum jeito
subindo em ônibus
até este 31
de dezembro
rumo a
2018

(fingia pra mim mesmo
que alguém o esperava
com um guarda-chuva
no ponto
pra lhe poupar
desse aguaceiro…
e que iria
protegê-lo
desses fogos todos
que vamos
lhe cuspir à cara
na meia noite
de hoje…)

o parafuso
com sua rosca
esmaga uma placa
na outra esgana

e há o ser humano

eu não conseguia
olhar direito para esse homem
não me sentia digno
(qualquer dor no meu olhar
seria ridículo)
e mais que isso
parecia que
algo em mim
iria se soltar…

eu não sei bem o quê…
se meus músculos dos ossos
se o grito do olhar
se a carne dos sonhos

essa ameaça de tudo
se desintegrar
sem sentido

e para me salvar

fixei meu olhar
à frente
no ônibus

assim, reto,
sem desviar

e, ali,
um parafuso!

tão sólido
tão duro

tão imóvel
mudo

prendia uma chapa
na outra

prendia tudo
tanta coisa

e me prendia
a esse mundo

que ignora

onde andará
– agora –
esse ser humano.

~ por jeffvasques em 02/01/2018.

2 Respostas to “ESPANAR”

  1. Valeu a pena ?

  2. Bomm demais, poema maduro, versos de qualidade

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