Reynaldo Jardim (Brasil, 1926-2011)



Achei, olhando por acaso a estante aqui em casa, o livro “Canto Melhor” que o amigo e poeta Paulo Vieira tinha me passado faz um tempo. É uma coletânea bem interessante de poesias “engajadas”, sociais, organizada pelo Manoel Sarmento Barata. O legal é que antes de mostrar as poesias ele faz um longo debate sobre o que é essa tal de poesia social, de luta, engajada… Estava atrás desse livro há algum tempo justamente pra ler essa longa introdução, porque estou organizando uma coletânea desse tipo mas com poemas da américa-latina… queria rever o debate que ele faz, pra entender como saber o limite entre uma poesia “social” (termo ruim, eu concordo) e uma poesia normal… é um tema delicado… enfim, to estudando pra organizar essa antologia. Aproveitei e dei uma lida rápida nos poemas e vi um fantástico do Reynaldo Jardim chamado “A coisa útil”. Lembrei que ele faleceu há poucos dias e resolvi fazer uma singela homenagem ao poeta, colocando abaixo os 2 poemas dele que constam nesse livrinho, o “Canto Melhor”. Reynaldo foi o criador dos suplementos literários do Jornal do Brasil na década de 60, que se tornou um marco na divulgação da literatura e da crítica literária brasileira, além de servir de base pro lançamento do movimento concretista.

Aproveito, e antes, coloco também as epígrafes do livro, que achei muito boas!

EPÍGRAFES DO LIVRO “CANTO MELHOR”

“Daquele ponto leal à terrestre pergunta do homem,
de que o homem há de nascer.” (Mário de Andrade)

“Confrontado com uma realidade verdadeiramente infinita, o artista vê-se obrigado a fazer uma escolha, a deixar de lado o acessório, a apegar-se ao essencial, a reconhecer uma hierarquia do real. Mas o que é essencial e o que não é? Responder a esta questão é, consciente ou inconscientemente, assumir posição, tomar partido. É a atitude do artista que se exprime nessa resposta, é o ponto-de-vista em que ele se coloca para julgar o mundo e o real (…). Por conseguinte, quando falamos de um artista não podemos falar apenas do seu talento, da força e originalidade das suas produções (se bem que, de qualquer modo, isso também deva ser feito); é preciso, fundamentalmente, analisar e discutir a sua atitude, o seu ponto-de-vista.” (Ernst Fischer)

A COISA ÚTIL (Reynaldo Jardim)

Um fruto (ou mesmo o pão)
é útil à proporção que alimenta.
A couve-flor (ou mesmo o ar)
é bela porque germina.
Assim o trigo e o canavial,
o café e o porto,
a mulher e o tempo.
Sementes de gordos horizontes.

Comei deste poema
um gomo ou a laranja integral.
O pó não alimenta,
mas na terra o pasto viceja.
No pensamento vazio nada vive,
mas onde houver substância,
ali o alimento existe.

Mastigai o poema,
com casca, polpa, germens, ácidos.
Os resíduos seguirão o doloroso fim.
A seiva enriquecerá teu plasma sanguíneo:
em ferro e iodo,
em sol e tempo
e horizontes palpáveis.

Uma fruta (ou mesmo a harmonia),
o agrião, as greves e as alfaces,
– palavras indigestas à poesia…
No entanto, o nutritivo poema se fermenta
e sobre cidades, soldado, fábrica, menino,
explica a anemia,
nutre a revolução.

NÃO SOMOS UM (Reynaldo Jardim)

Não lhe direi o impossível,
a verdade alastrou-me:
o seu valor equivale
à densidade dos outros.

Não somos um. Que outrora
éramos um, ou pensamos
sermos eu, você, o outro,
três elementos distintos.

Cada movimento teu
altera, sem restrição,
o passo próximo dado
pelo seu pai ou amigo.

A função é coligada,
contínua, una, solúvel,
se arrebentarmos todos,
você se dissolverá.

Calarei o impossível
a multidão alastrou-me.
O meu valor equivale
à conjunta redenção.

~ por jeffvasques em 09/02/2011.

3 Respostas to “Reynaldo Jardim (Brasil, 1926-2011)”

  1. Por arriscar escrever e por ser militante, a poesia “social” sempre me esteve presente. Agradeço a indicação do livro e quando você publicar a coletânea, por favor, não deixe de comunicar…

    Robson

    P.S: talvez você se interessasse por livro que li há alguns anos, de Leandro Konder. Os marxistas e a arte. Civilização Brasileira, 1967.
    Ele discute a relação poesia-política, estética da poesia “social”, etc.

    • Sinta-se em casa, Robson! Sempre bom ter mais poetas de luta conectados! Obrigado pela dica do Konder! Abração, jeff

  2. PS 2. não conhecia Reynaldo Jardim, mas pelos dois poemas, vou ter que conhecer muito mais. Obrigado também por esta indicação.

Deixe um comentário