Alex Polari de Alverga (Brasil, 1951)
Alex Polari de Alverga nasceu em João Pessoa, em 1951 e participou da luta armada contra a ditadura militar na VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) que realizava ações armadas contra o regime militar e lutava pela liberação de presos políticos. Foi um dos principais responsáveis pelo sequestro do embaixador alemão, nos anos 1970. Foi preso no DOI-CODI em 1971 e barbaramente torturado. Polari sobreviveu para denunciar ao próprio Tribunal Militar o assassinato de Stuart Angel (filho da estilista Zuzu Angel) retratado no poema “Canção para Paulo” e as torturas que sofreu e presenciou.
Em 1978, ainda preso, lançou seu primeiro livro de poesia: “Inventário de Cicatrizes”. Em 1980 foi finalmente libertado e se envolveu com o Santo Daime, não escrevendo mais poemas.
A poesia de Polari é coloquial, direta, despojada e bem humorada, apesar de profundamente marcada pela experiência da clandestinidade, do cárcere, da tortura. Abaixo uma pequena seleção que fiz… incluindo o poema “Amar em aparelhos” que, pra mim, é de seus melhores. (“Aparelho” é como os militantes chamavam as casas em que atuavam clandestinamente).
DIA DA PARTIDA
Aí eu virei para mamãe
naquele fatídico outubro de 1969
e com dezenove anos na cara
uma mala e um 38 no sovaco,
disse: Velha,
a barra pesou, saiba que te gosto
mas que estás por fora
da situação. Não estou mais nessa
de passeata, grupo de estudo e panfletinho
tou assaltando banco, sacumé?
Esses trecos da pesada
que sai nos jornais todos os dias.
Caiu um cara e a polícia pode bater aí
qualquer hora, até qualquer dia,
dê um beijo no velho
diz pra ele que pode ficar tranqüilo
eu me cuido
e cuide bem da Rosa.
Depois houve os desmaios
as lamentações de praxe
a fiz cheirar amoníaco
com o olho grudado no relógio
dei a última mijada
e saí pelo calçadão do Leme afora
com uma zoeira desgraçada na cabeça
e a alma cheia de predisposições heróicas.
Tava entardecendo.
AMAR EM APARELHOS
Era uma coisa louca
trepar naquele quarto
com a cama suspensa
por quatro latas
com o fino lençol
todo ele impresso
pelo valor de teu corpo
e a tinta do mimeógrafo.
Era uma loucura
se despedir da coberta
ainda escuro
fazer o café
e a descoberta
de te amar
apesar dos pernilongos
e a consciência
de que a mentira
tem pernas curtas.
Não era fácil
fazer o amor
entre tantas metralhadoras
panfletos, bombas
apreensões fatais
e os cinzeiros abarrotados
eternamente com o teu Continental,
preferência nacional.
Era tão irracional
gemer de prazer
nas vésperas de nossos crimes
contra a segurança nacional
era duro rimar orgasmo
com guerrilha
e esperar um tiro
na próxima esquina.
Era difícil
jurar amor eterno
estando com a cabeça
à prêmio
pois a vida podia terminar
antes do amor.
CANÇÃO PARA “PAULO” (À STUART ANGEL)
Eles costuraram tua boca
com o silêncio
e trespassaram teu corpo
com uma corrente.
Eles te arrastaram em um carro
e te encheram de gases,
eles cobriram teus gritos
com chacotas.
Um vento gelado soprava lá fora
e os gemidos tinham a cadência
dos passos dos sentinelas no pátio.
Nele, os sentimentos não tinham eco
nele, as baionetas eram de aço
nele, os sentimentos e as baionetas
se calaram.
Um sentido totalmente diferente de existir
se descobre ali,
naquela sala.
Um sentido totalmente diferente de morrer
se morre ali,
naquela vala.
Eles queimaram nossa carne com os fios
e ligaram nosso destino à mesma eletricidade.
Igualmente vimos nossos rostos invertidos
e eu testemunhei quando levaram teu corpo
envolto em um tapete.
Então houve o percurso sem volta
houve a chuva que não molhou
a noite que não era escura
o tempo que não era tempo
o amor que não era mais amor
a coisa que não era mais coisa nenhuma.
Entregue a perplexidades como estas,
meus cabelos foram se embranquecendo
e os dias foram se passando.
INDAGAÇÕES I
Quando me interessei pelo mundo
e procurei o sentido da vida
a ética dependia da pontaria
a certeza era fácil
estava mais nas entranhas
e no coração
do que nos livros.
Hoje a coerência dos sistemas
me parece ridícula
e se nos livramos
de uma certa pressa
entendendo melhor
a vida e a teoria,
isso não significa que o problema da opção mudou.
IDÍLICA ESTUDANTIL
Nossa geração teve pouco tempo
começou pelo fim
mas foi bela a nossa procura
ah! moça, como foi bela a nossa procura
mesmo com tanta ilusão perdida
quebrada,
mesmo com tanto caco de sonho
onde até hoje
agente se corta.
SEMÂNTICA EXISTENCIAL
Debaixo da janela de minha cela
desfilam a 1ª Companhia, a 2ª Companhia,
a 3ª Companhia e as demais companhias
que não solucionam minha solidão
ZOOLÓGICO HUMANO
o que somos
é algo distante
do que fomos
ou pensamos ser.
Veja o mundo:
ele se move
sem nossa interferência
veja a vida:
ela prossegue
sem nossa licença
veja sua amiga:
ela se comove
por outros corpos
que não o seu.
Somos simplesmente
o que é mais fácil ser:
lembrança
sentimento fóssil
referência ética
apenas um belo ornamento
para a consciência dos outros.
A quem interessar possa:
Estamos abertos à visitação pública
sábados e domingos
das 8 às 17 horas.
Favor não jogar amendoim.
TRILOGIA MACABRA (I – O TORTURADOR)
O torturador
Difere dos outros
Por uma patologia singular
ser imprevisível
vai da infantilidade total
à frieza absoluta.
Como vivem recebendo
Elogios e medalhas
Como vivem subindo de posto,
Pouco importam pelos outros.
Obter confissões é uma arte
O que vale são os altos propósitos
O fim se justifica,
Mesmo pelos meios mais impróprios.
Além de tudo o torturador,
Agente impessoal que cumpre ordens superiores
No cumprimento de suas funções inferiores,
Não está impedido de ser um pai extremoso
De ter certos rasgos
E em alguns momentos ser até generoso.
Além disso acredita que é macho, nacionalista,
Que a tortura e a violência
São recursos necessários
Para a preservação de certos valores
E se no fundo ele é mercenário
Sabe disfarçar bem isso
Quando ladra.
Não se suja de sangue
Não macera nem marca,
(a não ser em casos excepcionais)
o corpo de suas vítimas,
trabalha em ambientes assépticos
com distanciamento crítico
– não é um açougueiro, é um técnico –
sendo fácil racionalizar
que apenas põe a serviço da pátria
da civilização e da família
uma sofisticada tecnologia da dor
que teria de qualquer maneira
de ser utilizada contra alguém
para o bem de todos.
Jeff, essas poesias são de arrepiar. Eu não as conhecia. Obrigada pelos presentes…beijo.
Caroline said this on 28/03/2011 às 1:55 pm |
Salve Jeff,
É bom contar com seu blog para ter acesso a um repertório como este.
Como disse a Caroline, “obrigado”.
Dos que li, gostei muito, assim como você, de “Amar em aparelhos”. Bem como de “Indagações I” e “Semântica existencial”.
Aquele abraço,
J.
Jonathan Constantino said this on 30/03/2011 às 12:36 am |
Jeff querido: um enorme presente essa indicação de poesia. Agradeço profundamente. Abraço. Rodrigo
Rodrigo said this on 30/03/2011 às 2:40 pm |
Quem me indicou o Alex foi a Tina, grande companheira, cujo pai também foi preso na ditadura… fica aqui meu agradecimento a ela! =)
jeffvasques said this on 31/03/2011 às 1:27 pm |
Olá, Jefferson, tudo bem?
Estou fazendo um trabalho no qual pretendo oferecer uma leitura de alguns poemas de Alex Polari, em especial os da Trilogia Macabra… você poderia me indicar alguns livros que pudessem ajudar a aprofundar a análise deles? Textos teóricos que analisem a época ou a obra de Polari…
Obrigada!
Aline said this on 10/01/2012 às 11:58 am |
Oi, Aline! Que legal que quer estudar isso! Olha, a “poesia de luta” em geral é muito pouco estudada ainda no Brasil… O que achei sobre isso foi na internet mesmo. Tem um texto interessante do Wilberth Claython Ferreira Salgueiro aqui: http://w3.ufsm.br/grpesqla/revista/num6/ass03/pag01.html
Talvez procurando na internet vc consiga o email do Wilberth e ai, certamente, ele pode te indicar algum outro material…
Tem também a biblioteca digital da unicamp: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br
onde vc pode fazer pesquisa com termos como “poesia engajada” e baixar a dissertacao ou tese…
boa sorte!
jeff
jeffvasques said this on 10/01/2012 às 1:06 pm |
nossa gostei muito quero ler todos os livros
Elizangela Aparecida da Conceiçao said this on 29/10/2012 às 12:51 pm |
Também adorei Elizangela
Eduardo said this on 15/12/2012 às 2:52 am |
Viva Alex Polari, sempre!!! José Renato – Macaé/RJ
José Renato de Freitas Azeredo said this on 31/01/2013 às 6:14 pm |
AMEI !! a vida é mesmo assim, gira, gira mundo, o vento sopra, dispersa as folhas…o mundo continua girando, o vento soprando e acaba juntando o que foi espalhado !! gratidão Santo Deus por este re – encontro com este teu filho da Luz Branca,Verde e Azul !! Viva Pad Alex Polari !!
Maria Luciani Loureiro Burichel said this on 15/07/2013 às 10:58 am |
GOSTARIA DE SABER SE O SR.ALEX POLARI POSSUI ARQUIVOS SOBRE A DITADURA MILITAR.SOU ESTUDANTE DE HISTÓRIA E FAZENDO MINHA MONOGRAFIA SOBRE STUART ANGEL.
LUIZ said this on 01/09/2013 às 11:29 am |
Não sou o Alex, apenas agrupei aqui algumas de suas poesias…
jeffvasques said this on 30/01/2014 às 11:09 pm |
meu querido alex, gostaria de um contato com vc, abraços
Anônimo said this on 29/01/2014 às 9:16 pm |
Não sou o Alex, apenas agrupei aqui algumas de suas poesias…
jeffvasques said this on 30/01/2014 às 11:09 pm |
Olá .. gostaria de saber como faço para conseguir o email do Padrinho Alex Polari.. o meu é giscardvitoria@gmail.com.. agradeço se alguém puder me informar.. atc.. Professor Giscard Alan Potratz.
Giscard Alan Potratz said this on 27/01/2017 às 6:17 pm |